“Quando
saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima peixe e pão” (Jo. 21,9)
“Não há nada mais permanente que a mudança
na vida”. Mudanças são a essência e
o sabor da vida. O ser humano é um ser em mudança:
ela é o elemento que traz energia, variedade, surpresa, côr e vida à vida. A mudança
é vida.
Mas, com o passar dos anos, buscamos
segurança e a mudança se revela incômoda. Não obstante, fechar-se
à mudança é abrir-se à morte em vida, porque a vida é abertura à
novidade do encontro com o outro.
O
que mudou na cotidianidade pós-pascal da comunidade? Aparentemente, tudo voltou
à norma-lidade da vida corriqueira.
Nos relatos das aparições de
Cristo Ressuscitado, à primeira vista parece que a situação não tinha muda-do. Os
apóstolos tinham perdido sua condição de seguidores, tocaram fundo na
insatisfação que a morte lhes produziu e atrofiaram o sonho no qual acreditavam
que estava fundada sua vida.
O relato da última aparição
de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamen-te
junto à praia e entre redes, como no começo; o vazio, o abandono, a solidão, a
escuridão da noite, a rotina de um trabalho cansativo e ineficaz, dominam a
paisagem do texto; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem a
presença de Jesus. Alguém estranho, muito cedo, da margem do lago, atreve-se a
provocar, fazendo uma pergunta onde mais doía: “tendes alguma
coisa para comer?”
O convite de Jesus:
“Lançai
a rede à direita do barco!”
significa, como todos os seus convites:
mudem de atitude, pesquem de maneira
diferente, busquem outros lugares, saiam da rotina, sejam cria-tivos... Também
para lançar a rede existem dois lados: um lado conhecido e rotineiro; e outro
lado alter-nativo e novo. Revendo o passado, os discípulos reconheceram que
estavam trabalhando no lado errado, determinado por uma tradição que não os
deixava crescer.
A nova consciência transforma
tudo. A vida ganha a plenitude da rede, torna-se vida em abundância.
A presença do Ressuscitado muda por completo o
panorama de suas vidas: estavam tristes, cheios de medo e, de repente, se
convertem em homens valentes, cheios de entusiasmo, de esperança, pondo-se a
pregar e a dar testemunho em meio a todas as dificuldades.
É a presença do Ressuscitado no meio
deles que traz alegria, paz, perdão, sentido...
Nas aparições do Ressuscitado se reitera
a experiência de passar da tristeza a uma alegria profunda que permite voltar
com entusiasmo à missão. Aparentemente, a situação dos discípulos não muda, mas
eles mudam radicalmente porque recuperam a confiança no Mestre e em suas
promessas.
O novo não está
na novidade dos fatos, mas no olhar novo sobre aquilo que
aconteceu entre aqueles que seguiam Jesus. O novo olhar da fé abre, na
realidade transfigurada, o caminho da missão. O peixe não é mais um
simples peixe. Pelo encontro com Jesus, revela um significado novo e aponta
para a fecundidade da vida cotidiana.
No retorno à praia encontram algumas
brasas, que recordam aquela fogueira em torno à qual, alguns dias antes, o velho
pescador Pedro jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao
fogo ir-mão, Jesus lavará com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando
para sempre seu barro frágil em pedra fiel.
O verdadeiro milagre não é uma rede que
se enche, mas a traição covarde que se transforma em confissão de amor.
Até três vezes Pedro confessará, indicando que é a única coisa importante; três
vezes para signi-ficar que Jesus não tem outra pergunta, pois tudo se decide no
amor.
As perguntas de Jesus,
no evangelho de João, são pedagógicas e terapêuticas.
A cura das feridas emocionais é
antes de tudo um caminho novo, que envolve afeto, amizade.
Ele não pede propriamente
informações, mas dá às pessoas, por meio de suas perguntas, a oportunidade de
reconhecer a sua situação existencial.
A vida de Pedro muda quando
Jesus faz aquela pergunta tão desconcertante: “tu me amas?”
A pergunta é uma
oportunidade de responder espontânea e sinceramente a si mesmo, resposta sem
culpa e sem medo. A traição desumanizou Pedro, fez com que ele chegasse ao
fundo de sua miséria.
Esperaríamos perguntas de
admoestação, de deploração... No entanto, Jesus o interpela sobre o amor.
O Pedro que emerge deste
contato terapêutico com o Ressuscitado é um Pedro corajoso, decidido, mas também
muito mais amoroso, capaz de superar preconceitos antigos.
O amor de Jesus, sua graça
sempre pronta, o humanizará de novo, até re-estrear sua verdadeira vida. Sem
ironia, sem indiretas, sem pagamento de contas atrasadas. Gratuitamente, assim
como a própria graça.
A proposta de Jesus muda nosso modo de
encarar as relações de ajuda e cuidado, pois está baseada no afeto. A pescaria
do lago Tiberíades aponta para a missão; o pastoreio cobrado a Pedro já aponta
para os futuros cuidados “pastorais”. O pastor precisa de um olhar amoroso que
vai além de seu curral; o pesca-dor precisa de um olhar apurado para fazer a
travessia em direção da outra margem.
A comunidade eclesial vive ao mesmo
tempo a pescaria e o pastoreio, a missão em alto-mar e o cuidado
pastoral em terra firme. Juntar as ovelhas e guardar os peixes são tarefas
permanentes da Igreja.
O dom da rede cheia do pescador, no fim
da noite, torna-se tarefa para o dia do pastor: discernimento, cuidado,
partilha, testemunho, anúncio. “Sede pastores com o ‘cheiro das
ovelhas’”
(papa Francisco).
Ao entardecer, ele se torna novamente
pescador e sai da terra firme para o mar.
Há muito que
ver no mar de Tiberíades, mas nem todos os olhares poderão acolher o que
ali acontece. Há olhares opacos que não se alegrarão, olhares desconfiados que
não o entenderão, olhares frios que não vibrarão com a novidade de uma simples
refeição... Somente os olhares dos pobres e pequenos se admi-rarão, e a paz do
coração será sua recompensa.
“Ver de
novo”, ver outras coisas diferentes daquilo
que estamos acostumados a ver é também “nascer de novo”. É preciso despertar o
“pastor interior” que há em nós, nossa capacidade de atenção à vida, de buscar
com outros, de deixar-nos surpreender diante da presença despojada de Deus.
Texto bíblico: Jo. 21,1-19
Na oração: No nosso mundo existem muitas fogueiras e lugares
em que Deus e os irmãos são
traídos e, portanto, desumanizados, quebrados. Mas há outras brasas, aquelas
que Jesus prepara ao amanhecer das nossas escuri-dões e depois das nossas
fadigas, e nela nos convoca, em comunidade nova, transformando-nos em
humanidade diferente. Lá, nos permite encontrar nossa verdadeira identidade e
nossa missão: o cuidado do rebanho.
Feliz quem tiver olhos para reconhecê-lo, como João, e
quem se deixar renascer, como Pedro.
Na maioria das vezes tememos as mudanças e até as rejeitamos. Mas a mudança é sempre benéfica pois nos tira da acomodação e permite nosso crescimento! Bjks Tetê
ResponderExcluirAtualíssimo esse Pe.Adroaldo! Gostei imenso desse texto dele. Chego a ver Jesus na praia esperando por eles diante de uma fogueira para assar o peixe saciando a "fome". Amei, Rosélia! Beijos!
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