Havia em nossa casa uma jarrinha muito antiga, presente de minha avó no casamento dos meus pais.
Era o objeto que mamãe mais gostava, não apenas pelo valor artístico, pois tratava-se de uma verdadeira obra de arte, mas também pelo valor sentimental, uma vez que pertencera à avó de minha bisavó.
Sua importância era tal, não podíamos, meu irmão e eu, sequer tocá-la. E, se acontecesse passarmos perto demais, ouviríamos logo o sermão de sempre.
- Cuidado com a jarrinha da vovó, se ela se quebrar, não quero nem pensar.
Apesar de todo cuidado e de todas as recomendações, um dia a jarrinha apareceu quebrada. Da cozinha, onde estava, pude ouvir o choro e as lamentações da mamãe:
- Quebra-se a jarrinha de flores pintadas à mão, tão elegante, tão graciosa, era o encanto de todos as pessoas que passavam por nossa casa. Está na nossa família há séculos. Dizem que foi oferecida por uma rainha de antigamente, enternecida, a olhar para a jarrinha de flores pintada. Quebrou-se , partiu-se em centenas de cacos, não há conserto nem cola que possam restaurá-la. Quem terá sido o desastrado? Não foi o vento porque as janelas estão fechadas.
- Eu também não fui, defendeu-se Tiago, meu irmão.
- Quando cheguei aqui, mamãe já estava chorando. Além disso estive fora a minhã toda. Tiago ficou, portanto, livre de qualquer suspeita.
- Eu também não fui, apressou-se papai a dizer.
Quando cheguei para o almoço, a mãe de vocês já estava sendo consolada por Tiago.
- Muito menos eu, falou mamãe com voz chorosa. Gostava tanto dessa jarrinha, cuidei dela esses anos todos para que não se quebrasse.
Quando eu cheguei, não tinha ninguém aqui sabe, e a jarra já estava quebrada em mil pedaços. Nem sei como não desmaiei de desgosto.
- Só se foi o Bolinha, lembrou o Tiago.
O nosso gato Bolinha deu uma boa espreguiçada. Aliás, com muita dignidade, com se dissesse:
- Juro que, dessa vez, não fui eu. Não tenho nada a ver com isso!
E voltou a enrolar-se e adormeceu. Ai, quem me dera ter podido fazer o mesmo! Então, papai disse:
- Sim, com certeza foi o Bolinha, esse gato vive subindo nos armários. Eu já cansei de falar que quando não estivermos em casa ele deve ficar do lado de fora, mas vocês não me escutam nunca.
Agora, vejam só o prejuízo. A partir de hoje, isso vai ter que mudar radicalmente.
Mamãe sacudia a cabeça afirmativamente e podia mais ficar calado, não podia deixar que o gato lavasse a culpa por algo que não fizera. Apesar de todo o medo que sentia, gaguejei:
- Fui eu!
Todos se vivaram para mim.
- Você, Marcos?
E ficou calado até agora?
Suspirei fundo e comecei a contar o que acontecera. À medida que contava, ia ficando mais tranquilo, sem aquela insuportável queimação nem sei onde. No estômago? No coração? Na barriga?
Que me fizera correr da casa para a escada , da escada para a rua, como se tivesse lançado fogo em tudo.
Ou em mim mesmo.
Tinha sido um azar!
É sempre um azar.
(continua)...
Que lindo gesto de Marco confessar e livrar a culpa do gato...bjs, chica e vamos esperar o final!
ResponderExcluirUm belo texto, parece muiiiito pessoal, encaixa-se em vários casos de família, por isso é tão bom ler e tentar viver cada momento, azar?? Não creio nele e sim numa sucessão de erros ou falhas de planejamento, coisas de quem trabalha em planejamento, mas é uma opinião, adorei o q lí, pra vc deixo fraternos beijinhos e beijinhos...
ResponderExcluirOlá Rosélia,
ResponderExcluirGostei da narrativa.
Que situação a do Marcos! Mas ele foi corajoso o suficiente para admitir o seu ato, que, com certeza, foi decorrente de um mero descuido. Lembrei do ditado: 'Defunto muito recomendado não chega ao céu"-rsrs.
Aguardemos a continuação.
Ótimo final de semana.
Beijo.
Nem sempre é fácil, mas é a atitude que devemos ter em relação aos nossos atos! Não vejo a hora de ver a conclusão dessa história! Bjks Tetê
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