A Jarra Partida (II)

Para ligar o DVD na tomada da parede, tive de arredar um pouquinho a estante . Mas não imaginei que fosse tão pesada. A estante tombou, os livros escorregaram. Precipitei-me sobre eles, para evitar o desmoronamento mas calculei mal... esbarrei na mesinha que por sua vez chocou-se com o guarda louça sobre o qual estava a jarra.

Estremeceram as bonecas de porcelana, tilintaram os bules... e saltaram as xícaras de café nos respectivos pires... A jarrinha, por não ser tão pesada voou para o chão, espatifando-se em mil pedaços.

Acho que ela estava, há muito tempo, a espera deste voo.

Qualquer estremecimento lhe daria o pretexto. A culpa foi minha. Quando a vi no chão fiquei apavorado, pensei na tristeza de mamãe e na severidade de papai, lembrei-me da história que vovó contava a respeito da jarrinha e de quantas gerações a tinham..

"É isso aí" e meu pai, antes de mergulhar no jornal, aproximou-se de mim e confidenciou-me:

- Sabe, a jarra já estava parida. Há tempos, na balbúrdia de uma brincadeira com o Bolinha, que ainda era filhote, a jarra rachou-se. Isto é, rachei-a... Como estava sozinho em casa, tive tempo de consertá-la o melhor que pude, para não dar um desgosto à sua mãe. Mas, de fato, a jarra já estava partida. 

Sua atitude em admitir a verdade foi muito virtuosa e, graças a ela, vou fazer o mesmo.

Por essa eu não esperava. Fiquei como que paralisado, sem poder responder coisa alguma. Jamais imaginei papai agindo dessa forma, ele que sempre foi tão exigente comigo e com Tiago.

E continuou:

- Você teve muita coragem em confessar, estou realmente orgulhoso de você. Daqui a pouco, no jantar, quando estivermos todos juntos, vou precisar dessa sua coragem para contar o resto da verdade. E... desculpe-me...

Então papai abriu à sua frente as longas páginas do jornal, não sei se para lê-las, ou se para esconder-se, por embaraço. Pois, também é preciso muita coragem para pedir desculpas.